"Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, se não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine."
(I Coríntios 13.1)


domingo, 13 de dezembro de 2009

Do outro lado da rua

De longe avistei o amarelo do semáforo, diminui a velocidade e antes mesmo de parar totalmente ele já estava lá. Repousou um pacote com algumas balas de paçoca no retovisor do carro e, levantando a cabeça, estendeu a mão e me cumprimentou. Olhou para o banco do passageiro e vendo a pessoa ao meu lado começou a fazer perguntas, como se quisesse de alguma forma chamar a atenção. Levou um susto, lançando o corpo na direção da porta ao notar a proximidade do ônibus que entrava na rua. Voltou os olhos para mim, dessa vez arregalados e respirou de maneira mais intensa demonstrando alívio. Uma brincadeira da pessoa que me acompanhava fez com que ficasse sem graça, deixando escapar um sorriso tímido. Ficou alguns segundos me olhando sem dizer uma palavra sequer, logo depois seguiu em direção a outros carros. Quando voltou perguntei se queria um pacote de bolacha salgada, com a cabeça baixa aceitou. Também perguntei o valor dos doces, ao responder, sem me olhar, completou: "É pra juntar e comprar a roupa pro Natal". Entreguei R$ 1,00 em troca das balas, mas pedi que ficasse com elas, oferta que recusou. Deve ter notado meu espanto, pois, sem que nada perguntasse me olhou e disse: "Assim eu termino mais rápido pra ir embora".
O sinal ficou verde indicando que era hora de seguir meu caminho. Meus olhos não conseguiram acompanhar aquele menino por muito tempo, sua imagem foi diminuindo até sumir totalmente do meu campo de visão.
Em pouco tempo já estava entrando na garagem de casa. Guardei o carro, tomei um banho, comi e deitei. A ideia era dormir cedo e me preparar para mais uma semana. Nem sempre as coisas acontecem como planejamos.
A parada no cruzamento da Avenida Salim Farah Maluf com a Celso Garcia, duraria muito mais que aqueles poucos minutos que estive a espera da abertura do sinal.
Sei que isso parece tão comum. Em todas as esquinas que paramos somos abordados por crianças vendendo alguma coisa ou pedindo dinheiro. Me atrevo a dizer que cenas assim fazem parte do cenário turístico da maior metrópole brasileira. E essa é a pior parte. Convivemos com isso e nem notamos, já estamos acostumados.
Ele é uma criança, apenas um menino que nada sabe da vida, sujeito aos perigos e com fácil acesso à coisas que só trarão consequências maléficas.
A última frase daquele garoto me incomodou muito. Não deve ter mais que dez anos de idade. Não deveria estar ali. O que será que pensa? Será que tem sonhos? Será que sabe o que é sonhar? O que fará ao chegar em casa? O que encontrará ao chegar em casa? Será cobrado? Será? O que será dele?
Daqui a pouco vou deitar. Amanhã trabalhar. Vou atravessar a rua e ver outros tantos desse, nada vou fazer, algumas vezes nem vou notar. Assim é comigo, assim é com você, assim é com quase todos.
Só o que sei é que seu nome é André. Hoje estava ali, amanhã eu não sei.

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